sexta-feira, 16 de maio de 2008

Nossa finitude


Quando de repente alguém que amamos com todas as nossas forças some das nossas vistas, entramos primeiro naquela fase da não-aceitação e lentamente, passamos a aceitar o fato, melhor dizendo, a nos resignar, mas nesta hora surgem as clássicas perguntas: Pra onde ele foi? Será que me vê? Será que me ouve? É pra lá que vou também?
O fato é que por mais dolorosa que esta experiência possa ser, ela nos dá aquela chacoalhada que nos faz sair daquele estado de letargia, nos faz acordar daquela sensação de pseudo-imortalidade em que vivemos. É esta a sensação que tenho agora, de que vivemos adormecidos. Vivemos aqui com aquela confortável idéia de que tudo sempre acontece com os outros, com os vizinhos, com os amigos, mas nunca com a gente e chegamos mesmo até a crer que pra gente a vida nunca vai ter fim. Pensando desta forma cuidamos de tudo, somos hiper-ocupados, nos preocupamos com o corpo, com a inteligência, com o trabalho, com a ecologia, com a descoberta de novos planetas, com nossas relações no dia-a-dia, até rezamos e vamos à missa... só não nos preocupamos em nos preparar de verdade para deixar tudo isto um dia.
Quando estes pensamentos nos vêm à mente simplesmente os afastamos como se fossem pesadelos que não queremos ter e voltamos a adormecer. Não prestamos atenção nem mesmo ao que dizemos quando rezamos "Seja feita a Vossa vontade, assim na terra como no céu".
Nem sempre a vontade de Deus é igual à nossa e aceitemos ou não, como papai sempre me disse "cada um tem a sua hora".
Estou sofrendo a separação do meu pai e sei que cada um que teve o privilégio de conhecê-lo também está, mas quando olho pra trás, pra vida do meu pai, só lembro dele sorrindo, festejando tudo, bebericando sua cervejinha na sexta a tardinha com ou sem dinheiro no banco, fazendo voz de criança pra falar conosco, chamando minha mãe de "minha namorada", celebrando um pratão de feijoada, tocando e cantando no violão e entre uma música e outra minhas frases preferidas: "Ninguém morre mais!" ou "Pausoffi of biritoffi!" (Tradução: Pausa para a bebida).
Estas lembranças me fazem enxugar as lágrimas e me fazem ter certeza de que a vida do meu pai aqui conosco foi plena, feliz e valeu 100% a pena. Foi tão boa que nos serve de consolo quando choramos por não estar mais com ele. E esta é apenas uma das lições que meu pai me ensinou, a vida tem que ser vivida hoje, agora, já! Temos que nos cercar das pessoas que amamos, temos que dizer "Eu te amo" sempre que der vontade, temos que finalmente aprender a tocar aquele instrumento que queremos ou estudar aquela língua que admiramos, temos que nos abraçar mais, temos que festejar mais, temos que ir aonde ainda não fomos e temos que fazer uma lista do que ainda queremos fazer pra que nada passe em branco, pra que nada fique pra depois, porque não há mesmo o depois. Temos que acordar, viver a vida despertos dessa sensação de imortalidade. Se olharmos pro outro sabendo que um dia esta pessoa não vai mais estar aqui, o veremos de forma bem diferente. Seremos mais tolerantes e desfrutaremos muito mais desta companhia. Se vivenciarmos algo sabendo que um dia não mais estaremos aqui, valorizaremos mil vezes mais este momento.
Mesmo que isto possa levar quase um século, que a certeza da nossa finitude nos proporcione momentos inesquecíveis, pois quando não há mais corpo, ficamos apenas com as lembranças, e que sejam para sempre boas lembranças.

Um comentário:

Deixe aqui sua opinião sobre o que pensa e sente a respeito do que lê no Duas Terrrinhas. É o retorno dos leitores que me incentiva a continuar. Obrigada!